sexta-feira, 6 de maio de 2011

Sarau da Cooperifa


DO OUTRO LADO MORA A POESIA

Sarau da Cooperifa se destaca na periferia de São Paulo com o lançamento de livros e a produção de um documentário



Por Izabela Vasconcelos

“Povo lindo, povo inteligente, é tudo nosso!”. É assim que começa o Sarau da Cooperifa. Sérgio Vaz, idealizador do programa, abre o sarau com essas palavras e centenas de pessoas as repetem. Muitas palmas, muita energia. Atrás do palco a frase: “O silêncio é uma prece”, e é assim que acontece há seis anos, na periferia da zona sul de São Paulo, a noite que reverencia a poesia.

A Cooperifa, Cooperativa de Poesia da Periferia, já lançou 39 livros e um CD com poesias de 26 autores, lançado em 2006 na Pinacoteca do Estado, na 2ª Virada Cultural.


É no Bar Zé Batidão, do proprietário José Cláudio Rosa, que tudo acontece, são duas horas de poesia, o silêncio só é quebrado pelas palmas calorosas do público ao final de cada poesia. Há dias em que o Sarau, que acontece todas as quartas-feiras, a partir das oito e meia da noite, chega a reunir 400 pessoas. O encontro cultural já quebrou fronteiras, pessoas de várias zonas da cidade, e até de outros estados, vêm conferir a noite de poesia.


A Cooperifa surgiu como um movimento cultural da periferia em uma fábrica abandonada em Taboão da Serra, o sarau veio bem depois. “Logo quando a fábrica, onde a Cooperifa nasceu, fechou, eu e o Marco Pezão fomos conversar com o dono de um bar chamado Garajão, em Taboão da Serra, para a gente se reunir às quartas-feira para falar e ouvir poesia. Nem a gente sabia direito o que era sarau, mas o movimento foi crescendo e aí virou esse monstro que aí está”, explica Sérgio Vaz, idealizador do projeto.


Márcio Batista também é um dos organizadores do sarau e autor do livro “Meninos do Brasil”, produção independente. Para ele, a noite poética tem um papel muito importante na periferia. “O sarau representa uma mudança muito grande na perspectiva de vida e na comunidade. Nós não temos idéia de quantas pessoas o sarau atinge, mas tudo isso é muito gratificante”, afirma.


Personagens e poemas
Estudantes, mecânicos, professores, vigilantes, jovens, adultos e idosos recitam seus poemas. Basta colocar o nome no caderninho. Os assuntos são os mais variados: vida, alienação, fome, cotidiano, racismo, preconceito, entre outros. A maioria escreve suas próprias poesias, alguns decoram e recitam poemas como “Navio Negreiro”, de Castro Alves, ou “Perguntas de um trabalhador que lê”, de Bertold Brecht. A dramatização também faz parte dos recitais.

Maria de Lourdes Peixoto, conhecida como “De Lourdes”, frequenta o sarau há três anos. Logo que terminou a faculdade de letras, passou a frequentar o programa e a recitar suas poesias. “O sarau é como um ritual, é uma igreja pra mim. Lá eu vou até doente”, diz ela.


Dona Edith, como é conhecida Edith Marques da Silva, perdeu a visão há oito anos por causa de uma diabetes, agora, com 63, diz que tem mais facilidade para decorar, é assim que ela recita longos poemas de Castro Alves, Cora Coralina e Cecília Meirelles. As sobrinhas, suas aliadas, gravam os poemas em fitas para que ela possa decorar. “Eu me sinto muito bem no sarau, eu sempre gostei de ler, eu adoro poesia”, afirma ela.


“Mulheres, preparem-se”, é assim que Lourival Rodrigues da Silva, ou "Seu Lourival", como é conhecido, é anunciado para recitar. Ele chega com seu papel e começa a declamar poemas românticos mesclados de humor e com um dialeto que ele próprio criou. Tudo isso faz dele uma marca registrada no sarau.


Edmauro de Almeida, o "Cocão", conheceu o sarau por meio de um amigo, a partir daí não parou de frequentar. Hoje, escreve poesias, rap, e é um dos integrantes do grupo Versão Popular, que faz apresentações de rap em diversas comunidades e centros culturais da capital. Cocão também participou do livro “Rastilho de Pólvora” e de um CD que reuniu poemas de vários autores da Cooperifa.


No final de 2007, a Cooperifa realizou a 1º Semana de Arte Moderna da Periferia, com direito ao Manisfesto da Antropofagia Periférica, escrito por Sérgio Vaz, apresentações musicais, debates e poesia.


Além do sarau, a Cooperifa participa da Poesia de Ruas, evento de rap que acontece toda última quinta-feira do mês na sede da ONG Ação Educativa. Sérgio Vaz também realiza oficinas de poesia em diversas escolas públicas. Este ano a Cooperifa  voltou a ser convidada para participar da Virada Cultural. A primeira aparição da Cooperifa no evento foi em 2008. É a periferia mostrando a sua cara.


Bar do Zé Batidão
Rua Bartolomeu dos Santos, 797 Jd. Guarujá - São Paulo - SP
Veja o vídeo do Sarau , da DGT Filmes:




Veja a entrevista que Sérgio Vaz concedeu à GNT, no programa de Marília Gabriela:

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Você seria honesto assim?

Motorista vítima das chuvas no RJ encontra R$ 74 mil e devolve ao dono

Vítima das chuvas que assolaram a Região Serrana do Rio em janeiro deste ano, o motorista de ônibus Joilson Chagas se deparou com uma provação. Depois de perder a casa da tragédia, após uma viagem de trabalho, entre Nova Friburgo e a capital fluminense, ele encontrou R$ 74 mil e devolveu ao dono. Um belo exemplo. Veja o vídeo do G1.

terça-feira, 12 de abril de 2011

José Luiz Zagatti - O catador de sonhos

Obs: Essa matéria eu fiz na época de faculdade, para o TCC, que está arquivado no blog: http://vozperiferia.blogspot.com (Mas o Sr. Zagatti tem uma história muito boa para ser contada apenas uma vez)

O catador de sonhos
Um cinema feito com materiais encontrados no lixo já fez os olhos de muitas crianças brilharem na periferia de Taboão da Serra



A sala é simples, falta apoio financeiro, mas Zagatti sonha com o dia em que possa ter tudo o que um cinema tem direito

A história de José Luiz Zagatti, 56, é conhecida no Brasil e fora dele, ele já foi notícia em mais de 20 jornais, revistas e programas de televisão. O catador de papelão, nascido em Guariba, interior do estado, montou o Mini Cine Tupy, no Jardim Record, em Taboão da Serra, com filmes e projetores encontrados no lixo. Zagatti, que estudou só até a 3ª série do ensino fundamental, criou seu primeiro projetor aos 12 anos e se encantou com o mundo do cinema, cultura que procura levar aos moradores de sua região, mesmo sem apoio financeiro e com uma estrutura simples, mas com muita boa vontade e paixão.

Quando o senhor foi a um cinema pela primeira vez?
Aos cinco anos de idade. Fui com a minha irmã, ela já tinha uns 12 anos de idade. Eu me lembro bem, parece que foi ontem, nunca mais esqueci. Eu fiquei encantado com aquele ambiente do cinema.

Depois dessa primeira vez, o senhor foi a cinemas muitas outras vezes?
O quanto podia. Meu pai sempre ia na padaria ao lado do cinema eu ficava em frente ao cinema, porque para mim era um encanto, aquela lembrança do interior, para mim parecia a mesma imagem. Mas eu era pequeno, quando eu cresci passei a freqüentar esse cinema. Por isso que aqui tem o nome de Mini Cine Tupy, é uma homenagem ao Cine Tupy.

Quando o senhor começou trabalhar como catador de sucata e como achou o seu primeiro projetor?
Eu montei um negócio próprio, faz uns 15 anos. Mas não deu certo, faliu. Fui procurar emprego, mas não achava e a situação foi ficando difícil. Eu pensei: o jeito é catar papelão e vender. Aí comecei a tirar o sustento da minha família e graças a Deus o que eu sempre quis, desde a infância no interior, eu consegui realizar, o sonho de fazer platéia, projetar um filme para as pessoas da periferia, porque encontrei o projetor no lixo.Quando comecei a catar papel passei a encontrar no lixo esses materiais quebrados e fui trazendo para casa e montando.
Para mim era uma riqueza encontrar aqueles materiais Eu montei aquele projetor, emendei aqueles pedaços e rolos de filme e comecei a projetar.

Como foi a sua primeira projeção de filme?
Eu esperei anoitecer, coloquei um lençol na parede e projetei os filmes que eu havia emendado. Esse filme já foi passado na TV Cultura. Era pedaço de um, pedaço de outro, um era chiado, o outro preto e branco. As crianças nunca tinham visto aquilo na vida, elas foram se aproximando curiosas, olhando a luz do projetor, olhando o lençol. “Seu Zagatti o que é isso? Isso é cinema!”, eu respondia. Aí elas sentavam para assistir. Também tinha algumas pessoas no bar e elas saíram e vieram assistir o filme.
O cinema aqui é modesto, é pobre, mas a gente passa filme que é exibido em qualquer cinema. Eu tenho VHS, mas DVD também. Não ficamos só nos filmes antigos.Todo cinema tem pipoca e aqui as pessoas nem pagam para o cinema, nem para a pipoca, porque a maioria das crianças não tem dinheiro nem para comprar pipoca. Elas têm direito. Já que elas não podem ir lá no “cinemão”, venham no cineminha.

O senhor fez o seu primeiro projetor aos 12 anos, alguém te ensinou?
Não, foi intuição. Eu consegui na época um pedaço, um rolo de filme. Aí eu fi z um projetorzinho com uma lente de óculos, uma caixa de madeira e um farolete, não tinha luz na cidade naquela época. Depois coloquei duas tampas de lata para enrolar o filme. Eu projetava aquilo na parede, claro que não tinha som, nem movimento, só fi cava o quadrinho, que eu ia mudando. Era um filme do Mazzaropi, o Chico Fumaça, mas naquela época eu não sabia. Hoje eu sou fã do Mazzaropi.

E como foi criado o cinema? Como o senhor conseguiu ajuda?
Eu fui atrás de colecionadores, pessoas que podiam me emprestar filmes. Eu explicava que era catador de papel, passava filmes para crianças e não tinha dinheiro para comprar filmes.
Passei a freqüentar uma biblioteca que reunia colecionadores e conheci pessoas que me emprestavam filmes, eu trazia para casa e divulgava a exibição para as pessoas do bairro.

Como o senhor continuou esse trabalho de levar o cinema para a periferia?
Eu andava com o meu carrinho, catando papel na rua, via uma parede boa para projetar filme, conversava com o morador daquela casa e explicava que eu queria passar um
lme para as crianças ali. As pessoas não entendiam, eu com aquele carrinho dizendo que que-ria passar filme? Eu passava, mas nem sempre dava certo, porque às vezes chovia e eu tinha que cancelar.
Aí eu pensei que precisava exibir os filmes em escolas. Um dia encontrei um jornal no lixo que tinha o telefone da Secretaria Estadual de Cultura do Taboão.
Decidi ir lá para falar com o secretário, mas foi muito difícil falar com ele, mas eu me sentia no direito de falar com ele, eu precisava conversar. Consegui falar com a assessora do secretário.
Conforme eu fui contando meu trabalho, eles foram se interessando. Depois me convidaram para fazer a 1ª Mostra de Cinema Nacional, foram três dias de filmes. Depois disso eu trabalhei por seis anos na Secretaria Estadual de Cultura. Fui contratado pelo Marcos Mendonça, presidente da Fundação Padre Anchieta, da TV Cultura. Eu levava o cinema para a periferia, para idosos, para a Grande São Paulo.
Mas mudou toda a Secretaria, o Governo e eles queriam que eu fizesse um trabalho interno, que não era nada de cinema, e não é isso que eu quero, eu quero trabalhar com gente. Mas eu fui para vários lugares da cidade, vários asilos naquela época.

As sessões de domingo continuam?
De uns tempos pra cá ficou mais difícil. Nem sempre dá. A lâmpada do meu projetor ficou desgastada e fiquei alguns meses sem poder exibir. O público se distanciou porque sempre que eles vinham e eu dizia que ainda não tinha condições, aí as pessoas se afastaram. Agora que consegui a lâmpada e vou voltar às sessões.

Qual é o seu maior sonho?
Meu sonho é conseguir continuar o meu trabalho, ter estrutura. Eu queria que esse espaço tivesse qualidade, todo o conforto que uma pessoa merece. Eu acho que não tem diferença quem mora no Morumbi e quem mora na favela, é gente também e tem os mesmos direitos.
Eu queria que aqui fosse parecido com uma sala de cinema, tivesse carpete, ar condicionado. Meu sonho é esse, olhar as pessoas e ver que elas estão se sentindo bem aqui.